
FOTOGRAFIAS
Defeitos de Carácter | João Sorrindo | Kazuo Ohno - Visita exposição Toquio
Defeitos de carácter
Fotos por Carlota Mantero
Neste projecto quis, por um lado, mostrar o pior de mim próprio; reconhecê-lo e expô-lo é exorcizá-lo. Por outro lado, a minha experiência com a arte confirmou-me que o mais subjectivo, quando é autêntico, torna-se o mais universal. O projecto começou em 1995 como estudos de expressão de Butoh, essa dança – teatro – mímica japonesa de avant garde, que tenho vindo a praticar, para posteriormente se vir a transformar em tomada de posição do artista. E, desde o momento que as primeiras fotos foram tiradas por Carlota Mantero até agora, mudei. Já não me reconheço nelas, vejo-as como um observador, sou neutro, interessam-me como estudo. As fotos terão assim actuado como uma forma de autoconhecimento, terão sido terapêuticas…
Tinha seleccionado seis fotos, só as reveladoras de sentimentos feios; ocultei a serenidade, a ternura e a maravilha. As fotos depois agruparam-se debaixo de dois tipos: três representavam sentimentos enérgicos e afirmativos e as outras três sentimentos defensivos, reactivos ou passivos. Que relação haveria entre elas? Descobri que eram três pares: os afirmativos eram o antes e os negativos o depois de três personagens. Então, quis dar-lhes corpo. Escrevi a sua história, uma biografia sintética, visto que, com personagens tão complexos ainda que paradigmáticos, os livros são redundantes.
Interessa-me o estudo dos opostos e complementares e de como as leis mais vastas da natureza se aplicam a todos os campos, desde o uso dos sentimentos às proporções dos objectos. Cada coisa conduz ao seu oposto e os extremos tocam-se. E sempre acreditei na sincronicidade e na magia, que nada ocorre por acaso. De aí ter descoberto a razão dessas seis fotos e três personagens. Creio que toda a obra de um artista, por mais comprometido politico ou socialmente que ele seja, ou por mais distante e observador que permaneça, será sempre um autorretrato. Todas as coisas que ocorrem no mesmo momento estão relacionadas. Só surge no nosso mundo aquilo que nos diz respeito. Somos totalmente responsáveis pelo caos deste planeta.
Também o caos da criação artística é um processo difícil de gerir: em mim existe um mar de subpersonalidades, que dificultam não só a opção por uma única forma de arte (trabalho a escrita, a performance e as artes plásticas), mas também os contornos da apresentação final da obra.
Cada artista tem os seus pontos fortes e os seus pontos fracos, desde o saber conceber um projecto até aos seus componentes literários, desde a escolha da escala, a moldura ou o enquadramento até à dos tipos de material, de cores e de luzes. A síntese final é sempre um processo de maturação, não somente artístico mas também psíquico, que se pode extrapolar para o conjunto do género humano. O que se passa é que “o artista – como diz Louise Bourgeois – não passou pelos ritos de passagem, continua a ser uma criança que não é inocente, não consegue libertar-se do inconsciente”. E é nesse inconsciente que muitas das minhas subpersonalidades – para além das limitações do espaço de exposição – lutam pela forma final da obra. Esta, ainda por cima retrata outro conjunto de subpersonalidades, o que vem sublinhar a ironia de todo o processo.
Entre muitas, pude observar uma parte que quis apresentar as fotos em toda a sua crueza, de forma quase didática, com preocupações éticas e outra que aceitou expor-se nu, neste observatório das maldades e outra ainda que – ao querer colocar por cima de cada foto um olho tridimensional colorido e realista – convertia o visitante no observador observado. Por fim, optei pela mera junção de um par de olhos estilizados, em vidro e em negro, quase uns óculos ou um pince nez.
Possa pois o espectador, ao descobrir estas novas máscaras dos defeitos, meditar sobre aqueles que encontra como seus, adivinhar-lhes os resultados e modelar, serenamente, o rosto do seu futuro ou o futuro do seu rosto…
Dezembro de 1997
Esta exposição foi apresentada na mostra colectiva OBSERVATÓRIO – FOTOGRAFIA PORTUGUESA CONTEPORANEA na Sala de Exposições do Canal de Isabel II, em Fevereiro / Março de 1998, integrada na Feira ARCO de Madrid.
João Sorrindo
Kazuo Ohno - Visita à exposição Jardins Mágicos na galeria Itoki em Tóquio